São eles que analisam e pólen, a saliva, o sangue no local do crime...
Autopsiam cadáveres, estudam alegadas vítimas de violações de direitos humanos. Como é a vida dos nossos especialistas forenses?
O corpo está estacionado em cima da mesa, branco com um lençol enrugado. O cadáver é aberto e a médica-legista retira os brônquios, comentando: "Olhem para isto, está tudo preto." Entre a vasta assistência, há alguém que não resiste. Vai lá fora e acende um cigarro. A autópsia é acompanhada por muitos alunos de Medicina e pela "turma" que assiste ao 2º Curso de Introdução às Ciências Médico-Legais e Forenses para Jornalistas. "Nas séries CSI vê-se que as coisas resultam sempre. Chega-se cinco horas depois ao local do crime e a amostra está lá. Nunca há contaminações, há equipamentos que dão todos os resultados, não há dificuldades. Na prática pericial não é assim. As amostras vêm muitas vezes contaminadas, há elementos que podem interferir... E nas séries aparecem equipamentos que não correspondem à realidade", esclarece Duarte Nuno Vieira, presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML).
O caso Meddie esteve sujeito às mesmas limitações e dificuldades de qualquer investigação. "A partir do momento em que um caso ocorre até à altura em que se toma conhecimento e chegam os investigadores, pode haver muitas contaminações. Pela flora, pela fauna, por múltiplas circunstâncias. O caso Maddie não é excepção, sobretudo sabendo nós que não foi feito um isolamento imediato do local. Porque houve dúvidas ou questões que não se colocaram no início. Em todos os casos há uma série de factos que são susceptíveis de introduzir alterações que depois podem vir a dificultar os resultados."
O trabalho dos CSI à portuguesa está a evoluir, com o objectivo de se tornar mais eficaz. A base de dados nacional de perfis de ADN estará a funcionar em 2009, garantiu o secretário de Estado adjunto e da Justiça, José Conde Rodrigues. A meta é criar um mecanismo que "será um grande apoio à investigação criminal e à identificação civil. Quando recolhemos indícios genéticos para apoiar a investigação criminal hoje, não podemos guardá-los. A comparabilidade para casos futuros não é possível. Esta base já o permitirá. Poderá ter uma grande importância para ajudar a punir quem é culpado e ilibar quem é inocente. Mas também no que toca à identificação civil de corpos desaparecidos".
A recente reforma penal também trouxe alterações. "Definiu-se o regime de acesso a amostras físicas. Antes, a pessoa podia não autorizar que a perícia fosse feita sobre o seu corpo, e havia dúvidas sobre a necessidade desse consentimento. Hoje, é possível recolher amostras desde que haja uma autorização judicial. Por vezes, é necessário retirar por exemplo saliva, para ver se aquela pessoa podia ou não ter cometido um determinado crime. Por aí se pode recolher o ADN." E quando um médico-legista analisa uma vítima de disparos de uma arma de fogo, a que perguntas deve responder a autópsia? Agostinho Santos, director do Serviço de Patologia Forense do INML, enumera-as. "Quantas marcas de disparos há? Onde estão e como são os orifícios de entrada e saída? Qual a distância do disparo? E a trajectória? Há resíduos dos disparos?" Determinar a distância a que o projéctil foi disparado, confessa, é difícil. As armas e munições usadas nos disparos experimentais "têm de ser iguais às utilizada no crime. Não podem ser apenas semelhantes, ou a prova não serve de nada. Nesses casos, pode e deve ser contestada". Analisando os orifícios provocados pelas balas, rapidamente se percebe, por exemplo, que o criminoso não estava no carro à espera da vítima quando a matou, mas sim junto ao elevador, onde atingiu à queima-roupa: um exemplo prático, entre vários dados pelo especialista.
Mas os domínios em que trabalham os peritos em ciências forenses e médico-legais podem, nalguns casos, ter mais que ver com os melhores episódios de Prison Break do que de CSI. Duarte Nuno Vieira tem sido convidado pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU para missões em países da Europa, América Latina, África e Ásia, como patologista forense. Missão: investigar situações de violação de direitos humanos. A pele, diz, é um marcador onde os sinais de tortura ficam armazenados. Nas prisões, esquadras ou aldeias onde se desloca de surpresa, avisando com poucas horas de antecedência, analisa as alegadas vítimas dos pés à cabeça. Órgãos, cavidades, tudo. Quando a equipa entra numa cadeia, começa a negociação. Os guardas querem sempre ficar com as máquinas fotográficas e telemóveis.
Nessas situações, Duarte Nuno Vieira já conheceu os "interessantes" bombistas que mataram centenas de turistas em Bali, na Indonésia. Viu espaços para dez pessoas onde se amontoavam, literalmente, centenas de presos, uns por cima dos outros. Ou prisões debaixo da terra, sem luz, onde os reclusos são habitualmente torturados, mutilados e maltratados para além da imaginação. As fotos mostradas pelo especialista falam por si, deixando qualquer um com o estômago aos saltos. O perito considera importante este trabalho de denúncia. Na altura do curso, estava a colaborar na identificação de vítimas do regime de Pinochet, bem como de violações de direitos humanos no México. O país tem sido palco de assassinatos colectivos, relacionados com os cartéis da droga.
COMO TRABALHAM OS CSI PORTUGUESES
Embora a realidade não seja igual ao que vemos nas séries, os investigadores portugueses estão bem equipados e formados, e sabem o que fazer quando chegam ao local do crime.
Cuidados Obrigatórios
- Mexer o corpo o menos possível
- Colocar as mãos da vítima dentro de sacos de papel (se forem usados sacos de plástico há fenómenos de condensação, surgem gotas de água que prejudicam a preservação dos resíduos)
- Impedir a perda de resíduos de disparos (a nuvem de resíduos é constituída por gases a altas temperaturas que, quando há um disparo, se vão depositando em toda a superfície à volta. Podem dizer-nos se alguém manipulou ou não uma arma, se esteve ou não dentro dessa nuvem, e o mesmo em relação a superfícies e objectos)
- Preservar cabelos, pêlos e fibras do agressor
- Evitar contaminações
- Não fazer a recolha de resíduos do corpo no local do crime, mas sim na mesa da sala da autópsia. Aí, as condições de trabalho e iluminação são mais adequadas
- Como se determina a distância entre o disparo e o seu destino? É necessário fazer disparos experimentais, com a mesma arma e munições iguais
- A correspondência entre o orifício da bala e o seu calibre não é exacta. Não é possível determinar com certeza uma pela outra
- Cuidados a ter com a roupa da vítima: ao manipular o corpo da vítima ou socorrê-la, não danificar os orifícios provocados por balas ou outras armas. Não cortar, deitar fora ou sacudir
O que é preciso saber
- As marcas deixadas pelas armas na vítima ou no local do crime contém muita informação: cada arma produz em cada bala estrias (marcas) únicas e específicas, essenciais para a sua identificação
- As impressões digitais são igualmente informativas. Às vezes os criminosos lembram-se de limpar as armas mas esquecem-se de fazer o mesmo aos carregadores
- Os investigadores usam, cada vez mais, materiais descartáveis, para impedir contaminações
- Quando não são descartáveis, são desinfectados com álcool, éter ou soro fisiológico
- As pinças são usadas com algodão nas pontas, para que não deixem marcas nos vestígios
- Os vestígios são acondicionados em recipientes próprios, para não serem danificados por eventuais pancadas
- Respirar, espirrar ou salivar pode contaminar a cena do local do crime. Por isso, existem fatos que isolam totalmente o investigador, impedindo esse perigo
PARA QUE SERVE A PALINOLOGIA FORENSE?
A ciência dos pólenes é ainda pouco usada, mas os vestígios que estuda já condenaram criminosos. São provas impossíveis de eliminar: sabemos que elas existem mas não podemos vê-las.
PALINOLOGIA - Estudo dos pólenes e esporos (sementes ou células reprodutoras) das plantas.
- A palinologia pode relacionar um suspeito com uma cena de crime, através da presença no indivíduo de vestígios de pólen provenientes do local
- Permite perceber que uma vítima foi morta num determinado sítio e depois levada para outro local
- É aplicável em todo o tipo de crimes
- Permite estabelecer integralmente o percurso geográfico intercontinental de uma amostra de droga, através das partículas que a contaminaram durante essa viagem
- Esta ciência é ainda pouco usada em Portugal, por falta de hábito e de conhecimento
- As roupas e cabelos dos suspeitos e das vítimas são alguns dos sítios onde podem encontrar-se vestígios de pólen ou esporos que os relacionem com o local
- A desvantagem é que as provas palinológicas são circunstanciais: apenas colocam o suspeito na cena, não atestando a sua culpa
- Mesmo assim, uma prova deste tipo pode condenar um criminoso - e isso já aconteceu
- Qualquer superfície ou material pode ser uma fonte de amostra
- Só quatro pessoas a nível mundial são especializadas nesta área. Uma delas é portuguesa
- É uma prova que os criminosos não sabem como eliminar: ela está lá, mas eles não podem vê-la
Baseado em Texto de: VASCO VENTURA
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