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sábado, 28 de março de 2009

MARCADAS para Sempre


A queixa policial nem sempre é a resposta adequada. E nunca se deve fazer "nas costas" da vítima, para evitar represálias inesperadas.


"Eu andava sempre com os olhos negros. Ele obrigava-me a dormir no chão e a trabalhar na terra, como uma escrava." Aos 12 anos, "Marisa" tinha ido viver com um homem de 36. "Depois de seis, sete meses, a minha mãe começou a 'atirar-se', porque gostava dele. Por causa disso, bati nela. Nesse dia, ele começou a agredir-me. E passou a fazê-lo sempre." Aos 20 anos, a jovem faz parte das estísticas negras da violência doméstica em Portugal (ver abaixo). Mas é uma das mulheres que se libertaram do agressor, e agora está a reconstruir a vida, com a filha (de dois anos). Quer voltar à aldeia onde vivia, na Região Centro, e ficar perto da avó, da irmã e dos tios. Diz que não se importa de fazer qualquer trabalho, mesmo que seja pesado.

Fala, sem hesitações, de tudo o que lhe aconteceu. Um dia, quando foi buscar a menina ao infantário, decidiu que não ia suportar mais os abusos do marido. "Contei tudo na creche, eles comunicaram na Segurança Social e fui viver para uma instituição de apoio. Mais tarde saí de lá e fui para outra, porque quebrei as regras." Teve algum apoio da família, mas não do pai (cujo contacto não tem há anos) nem da mãe - esta vive agora com o ex-marido da vítima, que lhe bate e a maltrata, como já fizera antes com a filha. Ao princípio, os outros familiares defendiam o agressor, antes de descobrirem todos os pormenores da situação. "Sabiam de umas coisas, e de outras não. Viviam longe de mim..."

A bebé de "Marisa" não é indiferente ao que passou à sua volta. "Ficou traumatizada. Não aceita o colo do meu cunhado, dos meus tios, de nenhum homem. Se me vê ralhar com uma amiga (na brincadeira), ou dar uma palmadinha em alguém, põe-se logo a gritar." Por enquanto, a pequena ainda não está a ter acompanhamento psicológico. "Mas mais tarde, talvez precise."

A entrevistada tem recebido, da organização que a acolheu, todos os apoios necessários. "Ajudam-me a encontrar cursos, já que estou desempregada. Quando preciso de uma carta para apresentar nalgum sítio, nunca tenho de me preocupar. A directora está disponível em quanquer situação."

Confia no futuro. "O meu projecto de vida é estar junto com os meus familiares. Não quero ficar numa casa com a minha filha, sozinha, a pagar renda. Estou a refazer a vida e a ultrapasar tudo aquilo que aconteceu. E até agora, nunca precisei de ajuda de psicólogos." Será que a violência afectiva juvenil, iniciada tão cedo como no caso de "Marisa", é um problema cada vez mais preocupante? Para Carmen Fonseca, assistente social responsável pela Casa da Mãe (instituição de solidariedade social para acolhimento e apoio de vítimas de violência, pertencente à Obra de Promoção Social do distrito de Coimbra), o problema existe há décadas. A diferença é que começamos a dar-lhes atenção.

As mulheres que vão parar às organizações de acolhimento foram, em grande parte dos casos, violadas desde bem pequenas. Pelo avô, pelo pai, por outro familiar... "Há uma que foi violada por três homens antes dos sete anos. Essas pessoas desenvolvem a perspectiva de que todos os homens são assim - depois de serem abusadas por quem lhes deve protecção."

A Casa da Mãe apoia as vítimas, mas também alguns dos agressores. "Que, em muitos casos, precisam de ajuda psicológica." Mas quando são psicopatas ou sociopatas, "não estabelecemos qualquer contacto". Há muitos casos em que a mulher quer voltar para casa e retomar a relação. E, explica a responsável, isso pode ser viável em determinadas situações. Haverá que utilizar, por exemplo, terapia para agressores e terapia de casais. E criar condições mínimas de segurança. Uma ajuda útil: ensinar maneiras de combater o stress e a irritação. Explicar o que fazer nessas situações. "Direccionar a raiva para outras coisas, não para o companheiro. Os homens aderem muito bem a isso."

Quando o caso tem outra figura e implica, obrigatoriamente, a separação total, lá por isso não deixa de existir uma relação entre os dois membros do casal desfeito. "Continuamos a trabalhar com o agressor. Já não actuamos no lado conjugal, mas na perspectiva parental: não são companheiros, mas ele continua a ser o pai do(s) filho(s)." A não ser que (caso "raríssimo") haja inibição - pelos tribunais - do poder parental, e a proibição de visitar os filhos.

Quando a vítima não quer fazer queixa, esta instituição respeita a sua vontade - apesar de se tratar de um crime público, de denúncia obrigatória. Para Carmen Fonseca, não se deve fazer isso "nas costas" da pessoa agredida. Esta pode ser alvo de retaliações, quando está a tentar dar a volta ao problema de outra forma.



CASOS AUMENTAM



  • Em 2008, houve 10 192 queixas de violência doméstica na GNR

  • Em 138 postos da PSP foram feitas denúnicas

  • No mesmo ano, a Associação de Apoio à Vítima (APAV) registou 16 802 crimes deste tipo

  • Há em Portugal 34 casas-abrigo que acolhem as vítimas e as famílias

  • De 2000 a 2006, foram feitas 109 786 queixas e houve 2252 condenações

  • Já são registadas mais 20 000 denúncias anuais na PSP e GNR

Processos Judiciais de maus tratos que originaram sentença em 2000 - 213


Condenações em 2000 - 71


Arguidos:


2001 - 248


2002 - 463


2003 - 680


2004 - 864


2005 - 1035


2006 - 1033



Condenações


2001 - 128


2002 - 228


2003 - 344


2004 - 460


2005 - 527


2006 - 495


2007 - 1480 acusações e 704 condenações


Queixas em 2000


2000 : 11 162


2001 : 12 697


2002 : 14 071


2003 : 17 527


2004 : 15 541


2005 : 18 193


2006 : 20 595


2007 : 21 907



A PROTECÇÃO DA LEI


A lei de 2007 estabelece:



  • Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais ao cônjuge ou ex-cônjuge (...) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal (...) Se dos factos previstos (...) resultar: ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos. Se resultar morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

  • Novidades da proposta de lei apresentada em Fevereiro pelo Governo.

  • Passa a existir o estatuto de vítima, e são exigidas medidas em 48 horas.

  • Quando é feita a denúncia do crime, as autoridades devem conferir à vítima (a seu pedido), um documento que comprova o estatuto de vítima, consagrando direitos e deveres.

  • Após o agressor ser constituído arguido, o tribunal pode, em 48 horas, aplicar-lhe medidas de coacção.

  • Se isso for necessário para proteger a vítima, o tribunal pode decretar vigilância electrónica ao arguido - por exemplo, através de pulseira.


Baseado em Texto de: VASCO VENTURA

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